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Até a madrugada de sábado, o Itamaraty não havia emitido posição oficial do Brasil sobre o impeachment de Lugo |
Com o centro tomado por barricadas, lojas fechadas e ruas desertas, a
capital paraguaia, Assunção, assistiu na sexta-feira à queda de
Fernando Lugo
e a ascensão ao poder de Federico Franco – em um processo ‘relâmpago’
de impeachment visto com grande apreensão pela comunidade internacional.
Ao menos 5 mil partidários do presidente deposto se reuniram em
frente ao Parlamento e entraram em confronto com forças policiais assim
que o Senado anunciou o afastamento de Lugo do poder.
Mais de 4 mil policiais tentaram dispersar a multidão usando gás
lacrimogênio e munição não letal. A ação levou confusão e desespero à
multidão de manifestantes, que acabou se dispersando. Muitos voltaram
depois, dessa vez para protestar pacificamente.
- Derrubaram Lugo – afirmou uma mulher de meia idade no aeroporto de
Assunção. As reações dos demais variaram entre olhares graves, palavras
de reprovação mas também indiferença.
Passageiros ouviam o desfecho do julgamento por meio de rádios ainda
dentro do avião que chegava do Brasil. No desembarque, taxistas avisavam
que o centro da cidade – onde fica o Congresso – havia sido interditado
pela polícia após ser tomado pelos manifestantes
- Houve um golpe, é muito perigoso ir para lá agora – explicou um
motorista, que concordou em deixar um grupo de jornalistas – entre os
quais a reportagem da
BBC Brasil – em um ponto a dez quadras do centro.
Bloqueios
Franco trai Lugo e assume a presidência do Paraguai em meio a um golpe de Estado
No caminho, as ruas vazias e o comércio fechado davam a impressão de
uma tarde de domingo. À medida que o carro se aproximava da praça do
Congresso, porém, barricadas e cercas vigiadas por policiais mostravam
que não se tratava de um dia comum.
As barricadas haviam sido montadas com barris de metal enfileirados. Policiais usavam varas de metal para improvisar cancelas.
No trajeto de dez quadras a pé em direção ao centro, a
BBC Brasil cruzou
com cerca de 15 manifestantes solitários ou em pequenos grupos, que
aparentavam cansaço e desalento. Diziam que o grosso da multidão já
havia se dispersado e que retornariam às ruas no dia seguinte.
Mais numerosos eram jornalistas, arrastando malas e equipamentos de
TV para seus hotéis, e principalmente policiais agrupados nas esquinas.
Num ponto de táxi nos arredores do Congresso, três taxistas assistiam à transmissão dos eventos na TV.
- Temos que esperar pelas reações: muita gente ainda não sabe o que
está acontecendo, tudo foi muito rápido – diz o taxista Ariel Ortega.
“Nós, paraguaios, somos tranqüilos, mas há limites”.
Reação internacional
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, afirmou que não reconhece o
novo governo do Paraguai. Ele disse que a destituição de Lugo foi um
golpe contra a população paraguaia, a Unasul (União de Nações
Sul-Americanas) e que o atual governo é ilegítimo.
Os governo da Argentina, do Equador, da República Dominicana e da
Bolívia também classificaram a destituição de Lugo como um “golpe de
Estado”, segundo a agência de notícias
Efe.
O secretário-geral da Unasul Ali Rodrigues Araque afirmou à
BBC Brasil que a comunidade sul-americana está diante de “uma situação de fato, de um golpe de Estado”.
A Unasul avalia que não foi respeitado o devido processo legal para
que Lugo pudesse se defender das acusações e que a democracia no país
está ameaçada.
O presidente Chávez indicou ainda que poderá haver sanções contra o
novo governo paraguaio por parte dos países da Unasul. “Isso não termina
aí”, afirmou.
O Brasil liderou uma missão de chanceleres sul-americanos enviada ao
Paraguai ainda na quinta-feira. A viagem se baseou em um protocolo da
Unasul que dá aos seus membros a possibilidade de impor sanções a um
país em caso “de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática”.
Um dos artigos do documento prevê como sanção o fechamento das
fronteiras com o Paraguai. Até a madrugada de sábado, o Itamaraty não
havia emitido posição oficial do Brasil sobre o
impeachment de Lugo.
Processo relâmpago
A Câmara dos Deputados paraguaia aprovou na quinta-feira a abertura
do processo de impeachment contra Lugo como reflexo de um conflito
agrário que deixou 18 mortos – entre policiais e sem-terra – durante a
reintegração de posse da fazenda de um empresário ocorrida há uma
semana.
Horas depois da aprovação, deputados apresentaram no Senado cinco
principais acusações contra o então presidente. A maioria delas se
relacionava a ligações de Lugo com movimentos “carperos” (sem-terra), ao
suposto emprego irregular de militares em ações políticas ou
relacionadas à questão da terra, e ao resultado desastroso da
reintegração de posse da semana anterior.
Lugo e sua equipe tiveram então 18 horas para preparar uma defesa e
mais duas horas para apresentá-la aos senadores na tarde de sexta-feira.
No início da noite, um Senado dominado por ampla maioria oposicionista
considerou Lugo culpado das acusações por 39 votos a quatro.
Já destituído do cargo – pouco mais de um dia após o início do
processo de impeachment – Lugo fez um discurso de despedida no qual
acatou a decisão do Congresso, embora a considerasse “covarde”.
- Hoje não é
Fernando Lugo que recebe um golpe, hoje não é
Fernando Lugo quem é destituído, é a história do Paraguai e sua democracia – afirmou.
Minutos depois, seu ex-vice, Federico Franco, do PLRA (Partido
Liberal Radical Autentico) recebeu a faixa presidencial prometendo
respeito às instituições democráticas do país e garantindo que entregará
o cargo ao próximo presidente, que deve ser eleito em 2013.
Lugo e Franco haviam chegado ao poder em 2008 formando uma aliança
que quebrou uma hegemonia de seis décadas do Partido Colorado na
Presidência. Mas, a aliança acabou sendo desfeita ao longo do mandato. O
apoio do PLRA, que tem a segunda maior bancada no Senado, teve grande
influência na aprovação do impeachment.
- O destino quis que eu assumisse a Presidência da República – disse Franco em sua posse.