domingo, 25 de maio de 2014

OS LUSÍADAS - ANÁLISE DO CANTO VI

A obra Os Lusíadas, de Luis Vaz de Camões é seguramente a obra prima da língua portuguesa. A obra é um poema épico trazendo em si expressões do humanismo renascentista. Pertence a Era Clássica.
A Era Clássica corresponde a Idade Moderna e é dividida em três períodos, que chamamos de escolas literárias: o Classicismo, o Barroco e o Arcadismo.

ERA CLÁSSICA (séculos XVI, XVII e XVIII)

  • Classicismo (ano de 1500, século XVI) é nesse período que vivi Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas é publicado no ano de 1572. Nesse período há um ressurgimento da antiguidade clássica grego-latina. Iniciado na Itália, espalhou-se por toda a Europa. É uma verdadeira redescoberta do homem como centro de criação.  
CARACTERÍSTICAS DESSE PERÍODO

  • Criação da medida nova: versos decassílabos (dez sílabas poéticas);
  • Valorização de formas clássicas: os sonetos e os poemas épicos (longos poemas narrativos que mostra conflitos entre os homens e os deuses, são modelos clássicos a serem seguidos: A Ilíada e A Odisseia, do poeta grego Homero, de 850 a.C e A Eneida, do poeta latino Virgínio, do século I a.C).
  • O paganismo: valorização da mitologia grego-romana.
  • Antropocentrismo (homem em evidência);
  • Perfeição formal (rigor em busca da pureza formal);
  • Universalismo (abordagem de temas universais);
  • Humanismo (teocentrismo X antropocentrismo);
  • Busca do equilíbrio entre razão e sentimento.
Em Portugal, o Classicismo tem como marco inicial o ano de 1527, com a introdução da medida nova pelo poeta Francisco de Sá Miranda, que viveu um período na Itália e voltou para Portugal com grandes ideias de renovação da literatura. Encerrando no ano de 1580, ano da morte de Camões e início do período da dominação espanhola sobre Portugal. 

OS LUSÍADAS 
Poema épico que narra de forma poética a viagem de Vasco da Gama ao redor da África e a descoberta do caminho marítimo para se chegar às índias. Esse feito para época equivale a viagem do homem à lua no século XX. Camões se valeu desse fato para com maestria cantar toda a história do povo português e o exaltar como uma grande nação. Diga-se que na época, Portugal era uma grande potência naval.

ESTRUTURA DA OBRA
O Lusíadas está dividido em dez cantos, cada canto é dividido em oitavas, estrofes de 8 versos decassílabos, seguindo o esquema de rima ABABABCC, são ao todo 1.102 estrofes e um total de 8.816 versos.
Veja abaixo a primeira estrofe do Canto I, feita a escansão e mostrando o esquema rimático. As seis primeiras rimas são cruzadas e as duas últimas emparelhadas.

  1    2    3     4     5     6    7  8   9  10
As /ar/mas/ e os/ ba/rões/ a/ssi/na  /la/ dos _ A
Que, da Ocidental praia Lusitana, - B
Por mares nunca de antes navegados, - A
Passaram ainda além da Tabrolana, - B
Em perigos e guerras esforçados -A
Mais do que prometia a força humana, - B    
E entre gente remota edificaram - C
Novo Reino, que tanto sublimaram; -C  


  • Esquema de rima: é como os versos vão rimar, nas estrofes de Os Lusíadas, o primeiro verso rima com o terceiro e com o quinto; o segundo rima com o quarto e com o sexto e os dois últimos rimam entre si. 
  • escansão: é a contagem das sílabas poéticas de cada verso, a sílaba poética é diferente da sílaba gramatical: só se conta até a última sílaba tônica de cada verso, quando uma palavra termina em vogal e a próxima começa com vogal as sílabas se juntam, não se separa ss nem rr. 
ESTRUTURA CLÁSSICA DA EPOPEIA
  • Divisão em quatro partes distintas: 
a) Proposição;
b) Invocação;
c) Dedicatória;
d) Narração.

O QUE SE PASSA EM CADA CANTO

CANTO I - apresentação do tema, "Que eu canto a o peito ilustre Lusitano", ou seja, o orgulho e a glória do povo português (lusitano)interessante ver na quarta estrofe do desse primeiro canto:

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Calem-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto a o peito ilustre Lusitano,
A quem Nepturno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta, 
Que outro valor mais alto se alevanta.
Ainda no Canto I acontece a reunião dos deuses no Olimpo, quando Júpiter adere ao partido de Vênus em favor dos navegantes portugueses. Baco, temendo perder o seu domínio sobre o Oriente, decide se opor aos portugueses navegantes. Veja a estrofe 20,Canto I:

Quando os Deuses no Olimpo luminoso,
Onde o governo está da humana gente,
Se ajuntaram em consílio glorioso,
Sobre as cousas futuras do Oriente.
Pisando o cristalino Céu formoso,
Vem pela Via Láctea, juntamente
Convocados da parte de Tonante,
Pelo neto gentil do velho Atlante. 

Esse é o momento em que os Deuses estão se reunindo no Olimpo para decidirem sobre a sorte dos navegantes portugueses. "Tonante"é Júpiter, aquele que fazia os tons das trovoadas. Além do plano da viagem dos navegantes, a narrativa também se dá no plano mitológico, plano dos Deuses, ou Maravilhoso. Existe ainda na obra mais dois planos: o da história de Portugal e o plano das considerações do poeta. 
O desentendimento entre os Deuses que tomaram partidos diferentes marcara a intriga da obra. 

 CANTO II - Os portugueses são iludidos por Baco e quase desembarcam em Mombaça, onde havia uma cilada preparada para eles. Porém, conseguem se salvar com a ajuda de Vênus auxiliada pelas nereidas. 
CANTO III - Vasco da Gama é recebido pelo rei de Melinde.
CANTO IV e V - Vasco da Gama narra ao rei de Melinde a gloriosa história de Portugal e sua viagem.
CANTO VI - Quando os navegadores partem de Melinde, enfrentam uma grande tempestade provocada por Eolo, que havia sido convencido por Baco. No entanto, as ninfas de Vênus seduzem Eolo e acalmam a fúria dos ventos. 
CANTO VII - Os lusos chegam a Calicute, onde fazem amizade com o berbere Monçaide. O Samorim, rei de Malabar, recebe Vasco da Gama.
CANTO VIII - A frota é visitada pelo catual (ministro) do Samorim. Os maometanos são incitados por Baco e se levantam contra os navegantes portugueses. Porém, os portugueses convencem o rei de sua boa-fé, mas o fato os coloca em perigo e eles partem. 
CANTO IX- Os lusos são advertidos por Monçaide de que há um plano para distraí-los até a chegada de navios que atacarão a frota. Vasco da Gama inicia o regresso e, no caminho, encontra a ilha dos Amores, preparada por Vênus para acolhimento e prêmio aos esforçados navegantes. 
CANTO X - Mostra Tétis, em seu magnífico palácio, profetizando as façanhas futuras dos portugueses. Após repousarem do cansaço e das aventuras da longa viagem, os lusos zarpam de regresso em Lisboa. 


Agora nos deteremos no Canto VI, estrofes 70 a 91, cobradas nos exames do PRISE/PROSEL da Universidade Estadual do Pará.
Temos nessas estrofes o episódio da grande tempestade provocada por Eolo, a mando de Baco. Veja na estrofe 70, transcrita abaixo.

70
Mas neste passo, assi prontos estando,
Eis o mestre, que olhando os ares anda,
O apito toca: acordam, despertando,
Os marinheiros dũa e doutra banda,
E, porque o vento vinha refrescando,
Os traquetes das gáveas tomar manda.
– «Alerta (disse) estai, que o vento cresce
Daquela nuvem negra que aparece!


assi = assi
dua = de uma

O capitão vendo se formar uma grande tempestade acorda os marinheiros que estavam dormindo. "Os traquetes das gáveas tomar manda". As maiores dificuldades dos leitores jovens do nosso tempo será com certeza a linguagem do texto. Primeiro por ser antiga, segundo por utilizar termos próprios da navegação naval. Vamos então tentar clarear essa leitura para nossos alunos. É claro que também, a própria estrutura invertida das frase e dos termos das orações complica um pouco a leitura, porém isso já é comum ao texto literário e o aluno deve se acostumar a isso. Por exemplo "tomar manda" ao invés de "manda tomar".
Abaixo mostramos uma imagem tirada do goolge imagem, que ajudará o aluno a visualizar a cena e a entender a ordem do capitão, avistada a tempestade, mandou tomar os traquetes das gáveas.



Então, gáveas são as velas, traquete é o mastro principal.

Na segundo estrofe, o aluno não entende o desespero do comandante se não souber o significado do verbo "amainar" em desespero, ao ver a tempestade se aproximando ele grita "amaina a grande vela", ou seja "baixe a grande vela". Numa tempestade esse é um procedimento padrão, baixar as velas.Veja a estrofe.
71

Não eram os traquetes bem tomados,
Quando dá a grande e súbita procela.
– «Amaina (disse o mestre a grandes brados),
Amaina (disse), amaina a grande vela!»
Não esperam os ventos indinados
Que amainassem, mas, juntos dando nela,
Em pedaços a fazem cum ruído
Que o Mundo pareceu ser destruído!
procela = tempestade, tormenta, temporal. 

O próprio verbo "amainar" tem o significado de "baixar as velas". Os ventos "indignados" não esperaram que os marinheiros amainassem e destroem as velas. Na estrofe 72 temos a consequência do vento ter destruído as velas e outra palavra de ordem do capitão "Alija, disse o mestre rijamente/Alija tudo ao mar, não falte acordo!".Mais uma vez é preciso entender o significado de "alijar". Pelo contexto fica fácil saber que "alijar" significa "jogar tudo ao mar", "aliar". Vejamos a estrofe. 
72
O céu fere com gritos nisto a gente,
Cum súbito temor e desacordo;
Que, no romper da vela, a nau pendente
Toma grão suma d' água pelo bordo.
– «Alija (disse o mestre rijamente,
Alija tudo ao mar, não falte acordo!
Vão outros dar à bomba, não cessando;
À bomba, que nos imos alagando!


nau=embarcação, caravela.
cum = com
grão = grande
suma = soma

"Vão outros dar à bomba,não cessando". Vão outros bombear a água sem parar, que estamos alagando!

73
Correm logo os soldados animosos
A dar à bomba; e, tanto que chegaram,
Os balanços que os mares temerosos
Deram à nau, num bordo os derribaram.
Três marinheiros, duros e forçosos,
A menear o leme não bastaram;
Talhas lhe punham, dũa e doutra parte,
Sem aproveitar dos homens força e arte.


Veja que a situação está difícil de ser controlada, os marinheiros são jogados de um bordo, lado, a outro da nau. Três marinheiros fortes e duros não conseguem menear, controlar, a embarcação tamanha é a força dos ventos. 

74
Os ventos eram tais que não puderam
Mostrar mais força d' ímpeto cruel,
Se pera derribar então vieram
A fortíssima Torre de Babel.
Nos altíssimos mares, que creceram,
A pequena grandura dum batel
Mostra a possante nau, que move espanto,
Vendo que se sustém nas ondas tanto.

Os ventos estavam soprando com toda força e crueldade, que seriam capazes de derrubar a Torre de Babel, mas espantosamente a nau mostra-se possante e mantem-se nas ondas. É como se a grande fúria dos ventos apenas atestassem a força e grandeza portuguesa.

Paulo da Gama, irmão de Vasco da Gama, vem em outra nau, que foi igualmente assolada pela tempestade. Teve o mastro quebrado ao meio, a nau está prestes a afundar e os marinheiros clamam por Cristo, "Aquele que a salvar o mundo veio". A nau de Coelho foi a única que se salvou pois "o mestre teve tanto tento" amainou antes que o vento chegasse.
75
A nau grande, em que vai Paulo da Gama,
Quebrado leva o masto pelo meio,
Quási toda alagada; a gente chama
Aquele que a salvar o mundo veio.
Não menos gritos vãos ao ar derrama
Toda a nau de Coelho, com receio,
Conquanto teve o mestre tanto tento
Que primeiro amainou que desse o vento.

A partir da estrofe 76 entramos no plano dos Deuses, ou do maravilhoso, Nepturno,o deus do mar, correspondente ao Poseidon, está "furibundo", enfurecido, bravo. Noto, Austro, Bóreas, Áquilo, os deuses dos ventos, parece que querem destruir o mundo.
76
Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo;
Agora a ver parece que deciam
As íntimas entranhas do Profundo.
Noto, Austro, Bóreas, Áquilo, queriam
Arruinar a máquina do Mundo;
A noite negra e feia se alumia
Cos raios em que o Pólo todo ardia!

(CONTINUAREI A POSTAGEM)

10 comentários:

  1. Parabens, otima analise! :)
    Me ajudou muito a compreender a literatura camoniana.
    Grata!

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  2. Muito obrigada por nos ajudar divulgando a análise dessas obras... Melhorou a minha compreensão sobre as mesmas... Mto bom seu trabalho...

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  3. Parabéns Professor, a análise dessa obra melhorou ainda mais a minha compreensão sobre a obra, respectivamente lhe agradeço.

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  4. continue a análise....está ótima!

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  5. Muitíssimo bem colocado. Creio que todos os leitores sentem - se gratos pela pastagem de sua análise. . Peço - lhe por favor que a continue..

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  6. Ótimo! Me ajudou bastante, mas quado vai concluir a postagem?

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  7. ola professor, como a prova da uepa já será neste fim de semana...o senhor poderia fazer a gentileza de comentar o restante da obra? obrigada

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  8. Tenho vestibular amanhã e é uma pena que a postagem não esteja concluída :''(

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  9. olha, muito bom, continue assim

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